1. CLASSIFICAÇÃO DOS VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
É de vital importância o estudo dos defeitos do negócio jurídico, vícios que maculam o ato jurídico celebrado, atingindo a sua vontade ou gerando uma repercussão social, tornando o negócio passível de ação anulatória ou declaratória de nulidade pelo prejudicado ou interessado.
Nunca se deve confundir os vícios do negócio jurídico com os vícios redibitórios ou vícios do produto. Os vícios do negócio atingem os negócios jurídicos em geral, mas especificamente a manifestação da vontade ou a órbita social. Os vícios redibitórios atingem os contratos, particularmente o objeto de uma disposição patrimonial.
2. DO ERRO E DA IGNORÂNCIA
O erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação a uma pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, que acomete a vontade de uma das partes que celebrou o negócio jurídico. O art. 138 do CC indica que os negócios jurídicos celebrados com erro são anuláveis, desde que o erro seja substancial, podendo ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias em que o negócio foi celebrado.
O art. 138 do CC não mais interessa se o erro é escusável (justificável) ou não. Isso porque foi adotado pelo comando legal o princípio da confiança. Na sistemática do atual CC está valorizada a eticidade, motivos pelo qual, presente a falsa noção relevante, merecerá a negociação a nulidade. O erro merece o mesmo tratamento legal da ignorância, que é um desconhecimento total quanto ao objeto do negócio. Os casos são tratados pela lei como sinônimos, equiparados.
No erro e na ignorância, a pessoa engana-se sozinha, parcial ou totalmente, sendo anulável o negócio toda vez que o erro ou a ignorância for substancial ou essencial, nos termos do art. 139 do CC.
a) Interessar à natureza do negócio (erro in negotia), ao objeto principal da declaração (erro in corpore), ou a alguma das qualidades a ele essenciais (erro in substantia). Ex. compra de bijuteria imaginando que se trata de ouro.
b) Disser respeito à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante (erro quanto à pessoa ou erro in persona). Ex. ignorar um vício comportamental de alguém, celebrar o casamento com essa pessoa.
c) Constituir erro de direito e não implicar em recusa à aplicação da lei, sendo o motivo único ou a causa principal do negócio jurídico (erro de direito ou erro iuris).
d) O art. 142 do CC considera o erro acidental que não gera a nulidade do negócio jurídico, já que não atinge o plano de sua validade. Ao contrário do erro essencial, no erro acidental o contrato é celebrado mesmo sendo conhecido pelos contratantes.
3. DO DOLO
O dolo pode ser conceituado como sendo o artifício ardiloso empregado para enganar alguém, com intuito de benefício próprio. O dolo é a arma do estelionatário. O art. 145 do CC indica que o negócio praticado com dolo é anulável, no caso de ser o mesmo a causa. Esse dolo, causa do negócio jurídico, é conceituado como dolo essencial, substancial ou principal (dolus causam).
a) Dolo essencial (substancial ou principal): uma das partes do negócio usa de artifícios maliciosos, para levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando a obter vantagem, geralmente com vista ao enriquecimento sem causa.
a) Dolo de responsabilidade civil: não está relacionado com um negócio jurídico, não gerando qualquer anulabilidade; se atingir um negócio jurídico, gera somente o dever de pagar perdas e danos, devendo ser tratado como dolo acidental (art. 1466 CC).
b) Dolo de vício do negócio: está relacionado com o negócio jurídico, sendo a única causa de sua celebração (dolo essencial); sendo um ato, causará a sua anulabilidade, nos termos do art. 171 do CC, desde que proposta ação no prazo de 4 anos da celebração do negócio jurídico, pelo interessado.
c) Dolo de terceiro: acontece se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento. Caso contrário, ainda que válido o negócio jurídico, o terceiro responderá pelas perdas e danos causados. Podem se dar duas circunstâncias:
a. Se a parte a que se aproveitou tinha ciência > o negócio é anulável
b. Se a parte a que se aproveitou não tinha ciência > o negócio não é anulável, mas o lesado pode pedir perdas e danos ao autor do dolo
d) Dolo do representante legal: o dolo do representante legal só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. Mas se o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos (art. 932 do CC).
I. Dolo quanto ao conteúdo
a. Dolo bom (dolus bônus): pode ser concebido em dois sentidos. Inicialmente, é o dolo tolerável, aceito inclusive nos meios comerciais. São os exageros feitos pelos comerciantes ou vendedores em relação às qualidades de um bem ou serviço que está sendo vendido, mas que não detenha tudo isso. O negócio presente neste tipo de dolo não é anulável.
b. Dolo mau (dolus malus): consiste em ações astuciosas ou maliciosas com o objetivo de enganar alguém e lhe causar prejuízo. No dolo mau, o negócio jurídico pode ser anulado se houver prejuízo ao induzido e beneficiado ao autor do dolo ou a terceiros. (ar. 37 do CDC).
II. Dolo quanto à conduta das partes:
a. Dolo positivo (ou comissivo): é o dolo praticado por ação (conduta positiva). Ex. a publicidade enganosa por ação, como na compra de um carro.
b. Dolo negativo (ou omissivo): é o dolo praticado por omissão (conduta negativa), situação em que um dos negociantes ou contrastantes é prejudicado. Também é conhecido por reticência acidental ou omissão dolosa. Ex. vendas de apartamentos decorados, em que não se revela ao comprador que os móveis são feitos sobre medida, induzindo-o a erro (publicidade enganosa por erro).
c. Dolo recíproco ou bilateral: é a situação em que ambas as partes agem dolosamente, um tentando prejudicar o outro mediante o emprego de artifícios ardilosos.
4. DA COAÇÃO
A coação pode ser conceituada como sendo uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, visando obriga-lo a assumir uma obrigação que não lhe interessa. Aquele que exerce a coação é denominado de coator e o que a sofre de coato, coagido ou paciente (art. 151 do CC).
A coação é classificada em:
A. Coação física (vis absoluta): é o constrangimento corporal que retira toda capacidade de manifestação de vontade, implicando ausência total de consentimento, acarretando nulidade do ato. A nulidade absoluta está justificada porque a situação de coação física faz com que a pessoa se enquadre na previsão do art. 3 do CC., como alguém que por causa transitória não pode exprimir sua vontade.
B. Coação moral ou psicológica (vis compulsiva): coação efetiva e presente, causa fundado temor de dano iminente e considerável à pessoa do negociante, à sua família, à pessoa próxima aos seus bens, gerando a anulabilidade do ato (art. 151 e 152 CC). No julgado, o juiz deve considerar elementos como o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente, e todas as outras circunstâncias envolvidas.
5. DO ESTADO DE PERIGO
O estado de perigo constitui uma forma especial de coação. Não deve ser confundido com a coação moral (art. 156 do CC). Haverá estado de perigo todas vez que o próprio negociante, pessoa de sua família ou amigo próximo estiver em perigo, conhecido da outra parte, sendo este a única causa para a celebração do negócio. O juiz decidirá segundo as circunstâncias fáticas e regras de razão (ontognoseologia jurídica de Reale).
No estado de perigo, o negociante temeroso de grave dano ou prejuízo acaba celebrando o negócio, mediante uma prestação exorbitante, presente a onerosidade excessiva (elementos objetivo).
Estado de perigo = Situação de perigo conhecido da outra parte (elemento subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo)
No estado de perigo, o negócio jurídico é anulável (art. 171 e 178 do CC). O juiz deverá revisar o negócio para poder decidir. Com a revisão, procura-se manter a validade do negócio, considerando o “princípio da conservação contratual”. A equidade e a boa fé são essenciais e devem acompanhar o juiz no momento de determinar ou não a configuração do estado de perigo. Ex. um sequestro e os negócios escuros por trás.
6. DA LESÃO
Conforme o art. 157 do CC ocorre a lesão quando a pessoa, sobre premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, considerando o princípio de operabilidade ou simplicidade. Tem-se a lesão como sendo um vício que acomete a vontade ou o consentimento. O instituto da lesão visa proteger o contratante que se encontra em posição de inferioridade, ante o prejuízo por ele sofrido na conclusão do contrato, devido à desproporção existente entre as prestações das duas partes.
Lesão = Premente necessidade ou inexperiência (elemento subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo)
O conceito de premente necessidade é genérico e depende de apreciação pelo aplicador da norma.
7. DA FRAUDE CONTRA CREDORES
Constitui fraude contra credores a atuação maliciosa do devedor, em estado de insolvência ou na iminência de assim se tornar, dispondo de maneira gratuita ou onerosa o seu patrimônio, para afastar a possibilidade de responder os seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à transmissão.
Ex. Se o senhor X tem conhecimento da iminência de vencimento de dívida em 23/08, em relação a vários credores, vende ao senhor Y um imóvel de seu patrimônio, havendo conhecimento do estado de insolvência e da impossibilidade de transferir dita propriedade que se encontra comprometido. Neste caso, estará sendo configurado o denominado vício social do negócio jurídico.
O art. 158 do CC regula este aspecto, incluindo várias hipóteses de remissão ou perdão da dívida, estando caraterizado o ato fraudulento toda vez que o devedor estiver insolvente ou beirando à insolvência. Em tais circunstâncias, cabe ação anulatória por parte dos credores quirografários eventualmente prejudicados. Para entrar com ação, a lei dispõe de um período de 4 anos.
Ref.
- AQUINO, Leonardo Gomes de. Defeitos do negócio jurídico. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3504, 3 fev. 2013. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/23603>. Acesso em: 18 jun. 2016.
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- RUGGIERO Roberto de. Instituições de Direito Civil. 2ªed. Campinas: Bookselles, 2004.
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